Pular para o conteúdo principal

CONTO - Conversa de Velho com Criança - Carlos Drummond de Andrade

 CONVERSA DE VELHO COM CRIANÇA

Quando o bonde ia pôr-se em movimento, o senhor idoso subiu, com a criança. Não havia lugar para os dois, e mesmo a menina somente pôde acomodar-se em meu banco porque uma senhora magra aí consumia pouco espaço. 

A garota sentou-se a meu lado, o velho dependurou-se no estribo. O bonde seguiu. Notei que a menina levava um pacote de balas, e que com o velho iam vários embrulhos; entre eles, um guarda chuva. Não sabendo que fazer dos acessórios, e desistindo de ordená-los, o velho resignou-se ao mínimo de desconforto na viagem. Tinha os movimentos tolhidos, e o condutor aproximava-se, a mão tilintando níqueis. 

Era de prever a dificuldade da operação a que se via obrigado: libertar dois dedos da mão direita, enfiá-los no bolso do colete, e extrair desse secreto lugar as moedas devidas. Na linha em que viajávamos, a posição do pingente oferece perigo. O bonde segue paralelo e rente ao passeio, e os postes, no momento preciso em que passa o bonde, deslocam-se imperceptivelmente para mais perto dele. 

O deslocamento de alguns milímetros é, às vezes, mortal. Todos os que viajam de pé sabem disso. Os que morrem têm tempo de verificar o fenômeno, porém não de evitá-lo. Imaginei que o velho se arriscava a morrer dessa maneira, e, na desordem de seus movimentos, havia base para a suposição. A vida, entretanto, vigiava-o com interesse, o mais que aconteceu foi a moeda cair na rua, depois de penosamente sacada do bolso. 

Era de dez tostões, havia troco. Como a linha, pouco adiante, deixasse de ser duplo, o bonde tinha de parar, à espera de outro que vinha. O condutor aproveitou o momento para pesquisar a pratinha entre os trilhos. Voltou instantes depois, sem ela.

 - Não precisa; assim o prejuízo seria maior, explicou ao velho, que se dispunha, desta vez com facilidade, mas sem prazer, a tirar outra moeda. O senhor não paga nada. O velho agradeceu vagamente: sem dúvida, não precisava disso. A certeza de que não pagaria duas vezes e perderia apenas os níqueis do troco restituiu-lhe a serenidade e a compostura próprias dos caracteres firmes. Cabia-lhe não recusar nem aceitar: atitude ambígua, vazada naquele agradecimento impreciso, meio cortês, meio seco. 

O bonde seguiu. Já então o velho estabelecera um modus vivendi com o veículo. Colocou o guarda-chuva no ferro do estribo, onde ele ficou balouçando de leve; dispôs os embrulhos sobre o braço esquerdo, e arrimou este junto ao peito; quanto à mão direita, assumiu automaticamente sua função preponderante : empunhou, com força, a trave do estribo e ficou responsável pela vida e segurança do homem. 

 O homem tinha 60, 70 anos. No rosto vermelho, sulcado de rugas, o bigode branco era ralo e não parecia objeto de cuidados especiais. Os olhos eram a parte realmente sofredora do rosto, e neles se concentrava toda a expressão da fisionomia. As rugas entrecruzavam-se sabiamente em redor das pálpebras cansadas, e os olhos tristes, de uma tristeza particular e sem comunicação com o conjunto humano a que devia pertencer, abriam-se na paisagem de ruínas. São comuns as criaturas em que um só pequenino ponto parece existir realmente; as outras partes mergulham na sombra, nem são percebidas.

 No corpo de mais de meio século, as vestes eram modestas e denunciavam o pequeno proprietário de subúrbio (talvez antigo funcionário público?). A casimira de cor neutra era talhada com fartura no paletó, com exiguidade nas calças. Gravata preta, de laço mais desajeitado que displicente. Um relógio – de ouro, para dar imagem do tempo – devia bater dentro do colete, de onde escorria uma gôndola grossa. 

O chapéu também era preto, de um preto que a sorrateira infiltração do pó tornava mais doce, e falava dessas casas onde todas as pessoas são velhas e se resignam à poeira, não a expulsando mais dos móveis nem dos chapéus, porque não vale a pena.

 - Ferreira, você quer uma bala? Só então voltei a reparar na menina, que se sentara no meu banco e era miudinha, morena. Sentara-se na ponta do banco. O corpo do velho e seus embrulhos protegiam-na, a ponto de anulá-la. Mas a presença infantil ressurgia na voz, que era lépida e desejosa.

 - Quero, sim. Me dê uma aí. -Eu também quero uma. Abre pra mim, Ferreira. O velho desprendeu a mão do estribo – sua vida ficou balouçando, como o guarda-chuva - , e, com o equilíbrio assegurado, desatou o embrulho de balas. A menina serviu-se primeiro. 

O oferecimento fora um ardil para que Ferreira consentisse na abertura do pacote. É possível que Ferreira houvesse compreendido, mas o certo é que chupou sua bala com uma simplicidade que excluía a menor suspeita de reflexão. Avô e neta? Ou simplesmente, amigo e amiga? 

O fato é que eram íntimos. Enquanto chupava a bala, não carecia a menina de outra diversão, e deixou de pensar em Ferreira. As mãozinhas seguravam com firmeza o embrulho precioso. O bonde, para uma criança daquele tamanho, devia ser alguma coisa de monstruoso, incompreensível. Ou era apenas eu que não compreendia a maneira como a criança tomava conhecimento do bonde? 

Surpreendi-me a interrogá-la (e Deus sabe como me é difícil dirigir a palavra a um desconhecido, de qualquer idade, em qualquer situação) : 

 - Me diga uma coisa, como é que você se chama?

 - Maria de Lurdes Guimarães Almeida Xavier A vivacidade indicava um largo treino. 

Havia também o gosto do nome comprido como trem de ferro, tão mais interessante do que Maria somente, ou Lurdinha. Disse e sorriu para mim, com a bala dançando na língua.

 - O nome é maior do que a pessoa, observei, bestamente. Não fez caso.

 - É. O nome é grande, repetiu o velho, com essa condescendência mole com que se gratifica o vizinho do bonde, e não envolve compromisso de relações.

- Você tem quatro anos, aposto.

- Não, tenho cinco.

- E está no jardim-de-infância.

Jardim de quê? Ah! (muxoxo). Estou não. Evidentemente, eu não saberia interessá-la. Ondulou sobre nós, por instantes, um leve constrangimento. Quando encontrarás, Carlos, a chave de outra criatura?

Ferreira continuava no estribo, sem ligar. A vida dele estava salva, os postes haviam recuado um metro. O silêncio deu tempo a Maria de Lurdes para dizer esta frase estanha:

- Ferreira, você é o saci-pererê. Ao que Ferreira respondeu, com tranquilidade:

- É você. Você é que é o saci. Por que o saci aparecera de súbito entre os dois? Certamente ele frequentava a conversa de ambos. A imagem invocada fez rir Maria de Lurdes, que apontou o dedo para Ferreira e insistiu: 

- É você! É você! Ferreira sorriu o bastante para significar a Maria de Lurdes que não se importava em ser saci-pererê, mas também não queria ver sua identidade conhecida do grosso público. E depois, mais baixo, em tom confidencial: 

- Ferreira perdeu o dinheiro do bonde. Você viu?

- Não. Onde você perdeu?

- Caiu da mão. Foi ali atrás, na curva. Era uma pratinha amarela.

- Achou?

- Não, terminou Ferreira distraidamente. (Estava pensando em outra coisa.) Os dois calaram-se. Seriam amigos? Os sobrenomes não coincidiam. Eu preferia que fossem amigos, exclusivamente, e que nenhum vínculo de sangue forçasse aquela intimidade abandonada. A ausência de respeito era argumento contra o parentesco e a favor da amizade. Mas os pais de hoje prescindem do respeito em benefício da camaradagem. Os avós devem ter-se modernizado também. Seria Ferreira um avô moderno? 

De qualquer modo, a camaradagem consentida é menos estimável que a espontânea, de temperamentos que se ajustam. E imaginei Ferreira vizinho de Maria de Lurdes, afeiçoando-se à pequena, subornando-lhe o coração à custa de carinha diários, roubando-a, enfim, para si. Amiga Maria de Lurdes, amigo Ferreira; os cinquenta e cinco anos de diferença faziam o entendimento mais perfeito, já que pessoas da mesma idade dificilmente se entendem. 

- Ferreira... Chega aqui. Ferreira inclinou-se, pôs a velha orelha, coberta de pelos, junto à boca lambuzada. A menina, vermelha, baixou os olhos com infinito pudor. Num sussurro, o segredo grave passou de boca a orelha, introduziu-se em Ferreira, ocupou-o inteiro. Ele disse apenas: 

“Ah...” Depois, retirou do estribo o guarda-chuva e alcançou à altura do cordão. O bonde parou. Ferreira, Maria de Lurdes, guarda-chuva e embrulhos desceram pausadamente, atravessaram a rua, entraram pela primeira porta aberta... Meu pai dizia que os amigos são para as ocasiões.

Autoria: Carlos Drummond de Andrade
Recomendado para: Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio
TEMAS:  LITERATURA BRASILEIRA; RELACIONAMENTO

Comentários

MAIS LIDOS

CANDIDO PORTINARI - Nereide Schilaro Santa Rosa

Sinopse Este livro faz parte da coleção "Mestres das Artes", que apresenta a vida e obra de grandes artistas brasileiros. Neste volume, o destaque é Candido Portinari, um dos maiores pintores do Brasil e do mundo. O leitor acompanha a trajetória do artista desde sua infância em Brodowski, São Paulo, até sua consagração internacional. Com uma narrativa acessível, o livro explora suas principais obras, como os painéis "Guerra e Paz", e destaca a influência de Portinari na cultura e no cenário artístico mundial. Indicado para: 7 — 11 anos, EF1   Ler livro ACESSO EXCLUSIVO CASJ: Este livro é exclusivo para alunos e professores do CASJ. Para acessá-lo, utilize seu e-mail CASJ.   Comprar Livro | Amazon MAIS INFORMAÇÕES SOBRE A OBRA O livro "Candido Portinari", escrito por Nereide Schilaro Santa Rosa, faz parte da coleção Mestres das Artes, que celebra grandes nomes da arte brasileira. Es...

INTELIGÊNCIA EMOCIONAL - Daniel Goleman

Sinopse Publicado em 1995, o livro de Daniel Goleman revolucionou a compreensão da inteligência ao introduzir o conceito de "duas mentes" – a racional e a emocional. Goleman argumenta que a consciência das emoções é crucial para o desenvolvimento pessoal e mostra como a falta de controle emocional pode impactar negativamente a vida, desde a educação até a carreira. Ele apresenta cinco habilidades-chave da inteligência emocional e explica como elas afetam nossos relacionamentos, sucesso profissional e bem-estar físico. A obra oferece insights valiosos para pais, educadores e líderes empresariais. Indicado para: 7 — 11 anos, EF1   Ler livro ACESSO EXCLUSIVO CASJ: Este livro é exclusivo para alunos e professores do CASJ. Para acessá-lo, utilize seu e-mail CASJ.   Comprar Livro | Amazon MAIS INFORMAÇÕES SOBRE A OBRA "Inteligência Emocional" de Daniel Goleman é um marco na literatura de psicologia e d...

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS - Lewis Carroll

Sinopse Alice no País das Maravilhas é uma obra clássica de Lewis Carroll que narra as aventuras de Alice, uma menina curiosa que cai em um buraco de coelho e encontra um mundo mágico e excêntrico. Lá, ela encontra criaturas peculiares como o Coelho Branco, a Rainha de Copas e o Gato Cheshire. A história explora temas de identidade, lógica e a natureza do absurdo, oferecendo uma crítica à sociedade vitoriana de forma lúdica e imaginativa. Uma jornada encantadora que desafia a realidade e a lógica convencional. Indicado para: 12 — 15 anos, EF2   Ler livro ACESSO EXCLUSIVO CASJ: Este livro é exclusivo para alunos e professores do CASJ. Para acessá-lo, utilize seu e-mail CASJ.   Comprar Livro | Amazon MAIS INFORMAÇÕES SOBRE A OBRA "Alice no País das Maravilhas" é uma obra clássica da literatura infantil, escrita por Lewis Carroll. Este livro é ideal para leitores a partir de 8 anos, mas continua a encan...

Livros em Cena - Nº 3 | abr. 2025

Sinopse A Biblioteca do Colégio Agostiniano São José apresenta o Livros em Cena – Nº 3, com novidades imperdíveis para todos os gostos. Nesta edição, o destaque vai para a diversidade de gêneros e temas, que vão do romance juvenil à filosofia contemporânea. Entre as novas aquisições do acervo, estão Melhor do que nos Filmes, a envolvente Coleção Cordel na Escola, O Diário de uma Princesa Desastrada, Kid Youtuber e A Espécie que Sabe: do Homo sapiens à crise da razão. Acompanhe o Livros em Cena e explore novas histórias! Classificação: Livre   Ler Arquivo   Baixar Arquivo | Download Seguro

SOU INDÍGENA E SOU CRIANÇA - César Obeid

Sinopse "Sou indígena e sou criança" de César Obeid é uma obra que celebra a identidade e a cultura indígena através da perspectiva de uma criança. Com uma narrativa envolvente e ilustrativa, o autor retrata a vida cotidiana, as tradições e os desafios enfrentados por crianças indígenas no Brasil. Através das experiências do protagonista, o livro aborda temas como respeito, diversidade e a importância da preservação das culturas originárias. É uma leitura rica e educativa que convida todos, especialmente os jovens, a refletir sobre a pluralidade cultural e a valorização das vozes indígenas na sociedade contemporânea. Indicado para: 0 — 6 anos, EI   Ler livro ACESSO EXCLUSIVO CASJ: Este livro é exclusivo para alunos e professores do CASJ. Para acessá-lo, utilize seu e-mail CASJ.   Comprar Livro | Amazon MAIS INFORMAÇÕES SOBRE A OBRA Sou Indígena e Sou Criança é um livro que celebra a identidade e...

UMA HISTÓRIA SOBRE BONDADE - Vanessa Alexandre

Sinopse UMA HISTÓRIA SOBRE BONDADE, de Vanessa Alexandre, é um livro encantador que narra como pequenos gestos de bondade podem transformar o mundo ao nosso redor. A obra acompanha a jornada de um personagem que, ao realizar simples atos de generosidade, descobre o impacto profundo que suas ações têm na vida das pessoas. Com uma narrativa leve e emocionante, o livro inspira leitores de todas as idades a praticar o bem e cultivar a empatia. Vanessa Alexandre nos lembra que a bondade, mesmo nas menores formas, tem o poder de mudar o mundo. Indicado para:  0 — 6 anos, EI   Ler livro ACESSO EXCLUSIVO CASJ: Este livro é exclusivo para alunos e professores do CASJ. Para acessá-lo, utilize seu e-mail CASJ. MAIS INFORMAÇÕES SOBRE A OBRA "Uma História sobre Bondade", de Vanessa Alexandre, é um livro encantador que explora a importância dos pequenos gestos de generosidade e como eles podem transformar a vida das pessoas ao ...

O GÊNIO DO CRIME - João Carlos Marinho

Sinopse Seu Tomé, dono de uma fábrica de figurinhas de futebol, enfrenta problemas quando uma fábrica clandestina começa a vender as figurinhas difíceis, aumentando o número de álbuns completos e a demanda por prêmios que ele não consegue mais fornecer. As crianças se revoltam, ameaçando quebrar a fábrica. Edmundo, Pituca, Bolachão e Berenice entram em ação para investigar. No entanto, não se trata de crimes comuns: o líder da quadrilha é um gênio do crime, liderando um emocionante duelo de inteligências. Um livro que rapidamente conquistou o Brasil. Indicado para:  7 — 11 anos, EF1   Ler livro ACESSO EXCLUSIVO CASJ: Este livro é exclusivo para alunos e professores do CASJ. Para acessá-lo, utilize seu e-mail CASJ.   Comprar Livro | Amazon MAIS INFORMAÇÕES SOBRE A OBRA "O Gênio do Crime", de João Carlos Marinho, é um clássico da literatura infantojuvenil brasileira. Publicado pela primeira vez em 1...

INOVAÇÃO ANCESTRAL DE MULHERES NEGRAS : táticas e políticas do cotidiano - Bianca Santana

Sinopse Em “Inovação Ancestral de Mulheres Negras”, Bianca Santana explora a força e sabedoria de mulheres negras, cujas práticas diárias e táticas de resistência moldaram a história. A obra resgata a ancestralidade e reflete sobre as políticas de sobrevivência e enfrentamento ao racismo e sexismo. A autora mostra como essas mulheres, com suas experiências e conhecimentos, constroem formas de inovação que, embora invisibilizadas, são fundamentais para a transformação social, destacando a potência de suas vozes e histórias. Indicado para: Ensino Médio e Educadores   Ler livro   Baixar Livro | Download Seguro MAIS INFORMAÇÕES SOBRE A OBRA Em "Inovação Ancestral de Mulheres Negras: Táticas e Políticas do Cotidiano", Bianca Santana revela as histórias e estratégias de resistência de mulheres negras que, ao longo do tempo, têm inovado nas mais diversas áreas da vida. A obra é um mergulho nas práticas ancestra...

VIAGEM AO CENTRO DA TERRA - Júlio Verne

Sinopse O clássico "Viagem ao Centro da Terra" de Júlio Verne narra a emocionante expedição do professor Otto Lidenbrock, seu sobrinho Axel e o guia Hans rumo às profundezas do planeta. Seguindo as instruções encontradas em um antigo manuscrito, eles partem da Islândia em busca de um caminho que os levará ao centro da Terra. Ao longo da jornada, enfrentam perigos inesperados, criaturas pré-históricas e fenômenos naturais extraordinários. Verne mistura aventura, ciência e fantasia em uma narrativa repleta de suspense, transportando o leitor para um mundo subterrâneo repleto de mistérios e descobertas fascinantes. Indicado para: 12 — 15 anos, EF2   Ler livro ACESSO EXCLUSIVO CASJ: Este livro é exclusivo para alunos e professores do CASJ. Para acessá-lo, utilize seu e-mail CASJ.   Comprar Livro | Amazon MAIS INFORMAÇÕES SOBRE A OBRA "Viagem ao Centro da Terra", de Júlio Verne, é um dos clá...

CONTO - A onça, a tartaruga e o jacaré - Ricardo Azevedo

 A onça, a tartaruga e o jacaré A onça-pintada achava que era o bicho mais forçudo do mato inteiro.    O jacaré achava que era o bicho mais forçudo das águas do rio.    Quando a tartaruga passava no mato em busca de um pouco de comida, a onça dizia:  — Lá vem esse bicho lerdo, banguela, feioso, fracote!  A onça-pintada ria. A tartaruga passava sem dizer nada.   Quando a tartaruga chegava na beira do rio para beber um pouco d’água, o jacaré dizia:  — Lá vem esse bicho fracote, feioso, banguela, lerdo!    O jacaré ria. A tartaruga ia embora sem dizer nada.  Um dia a tartaruga teve uma ideia. Entrou no mato, procurou a onça-pintada e disse: — Lerdo, banguela, feioso e fracote, nada! Sou muito mais forte que você! A onça caiu na risada: — Sai pra lá bicho banguela de meia-tigela!   Mas a tartaruga fez cara de ameaça: — Olha que eu jogo você dentro do rio! Quer valer quanto?   A onça gritou:   — Tá apostado! ...