O presente
De todos os presentes de aniversário espalhados sobre a cama, o que mais chamava a atenção de Carolina era um que não tinha nada dentro.
Um presente sem nada dentro? Quem daria semelhante coisa a uma mocinha? Ninguém mais, ninguém menos que sua própria madrinha!
A tal madrinha passava a maior parte do tempo em viagens a lugares distantes feito reinos encantados, de nomes tão estranhos quanto o dela : Yasmin Diáfana. Foi justamente numa dessas viagens que Yasmin encontrou o presente ideal para a afilhada favorita.
E do que se tratava o misterioso presente? Um caderno com capa de couro vermelho, bem guardado por uma fivela de bronze - algo extremamente útil para diários que se querem lacrados e secretos.
Acariciando a capa de couro macio, rubro como o sangue que corria ligeiro em seu coração aos pinotes, Carolina imaginava a frase que inauguraria a folha em branco do primeiro diário de sua vida.
A noite sem lua convidada à contemplação e a menina, doida para mostrar a novidade às amigas, foi até a janela. Que tipo de amigas são essas, com quem se conversa da janela? Aquelas com as quais, noite adentro, Carolina trocava histórias sem que ninguém soubesse : as estrelas.
Minto : havia algúem. Poucas, bem poucas histórias foram divididas com a madrinha querida que, maravilhada, resolveu que chegara a hora de retê-las em algo mais concreto que o vento noturno.
Semanas antes do aniversário da afilhada, perto da nona viagem ao Oriente, onde ela viria a comprar o diário, Yasmin fez uma proposta a Carolina :
- Carol, estou de partida para uma terra onde histórias acalentam de mercadores a imperadores. Elas somam mais de mil e uma e geralmente são contadas à noite, iguais às suas. Mas o melhor de tudo é que essas histórias não se perderam, apesar de milenares. E sabe por quê? Porque as pessoas de bom senso as escreveram, registrando-as para sempre. Retorno a tempo do seu aniversário, trazendo um presente que, pra se tornar completo, depende de você. Em seguida, nova viagem me aguarda : a terceira volta ao mundo!
Carolina, lembrando da conversa com a madrinha ("um presente que, pra se tornar completo, depende de você"), levantou o caderno de couro na direção do céu. Sussurrando, falou às amigas, aparentemente silenciosas :
- Estrelas, vejam! Agora temos onde guardar as histórias : elas não mais se perderão. O cofre de nossas conversas será, daqui pra frente, o diário que ganhei de presente. Temos trabalho à beça a fazer! Yasmin falou que, ao regressar de sua terceira volta ao mundo, trocará as histórias que trouxer pelas minhas. Mas só fará isso, se as encontrar escritas aqui. Portanto, mãos à obra!
A casa que, até há pouco, estivera agitada pelos barulhos da festa, dormia tranquila. Bem, quase toda a casa. Em certo cômodo, outra espécie de festa começava. No quarto de Carolina, a luz de cabeceira misturava-se à luz das estrelas, iluminando uma menina já plena de luz interior e imaginação.
E assim nasceu a primeira história
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