A LENDA DA DORMÊNCIA
Um casal teve dois filhos e, na sua condição de servos do rei, marido e mulher esforçavam-se em trabalhar para agradar o soberano e criar sua prole. As crianças cresceram habituadas aos afazeres domésticos e em tudo auxiliavam os pais. Melhor que fossem comportados assim, pois naqueles dias o rei havia desposado uma mulher que possuía fama de lidar com magias, feitiços e coisas do gênero.
Para satisfazer os caprichos da exigente esposa, o rei ordenou que construíssem o mais belo jardim já imaginado, com fontes, cascatas e flores diversas. Assim foi feito, e todas as tarde a estranha dama ali passeava, fazendo brotar raridades ao mais leve toque de sesu dedos. A fama do jardim corria o mundo. Diariamente chegavam caravanas trazendo visitantes para admirar o lugar. Satisfeita, a rainha recebia bem todos aqueles que compartilhavam seu amor pela natureza.
Eis que o casal de servos gerou outra criança, tão bela e encantadora que os pais e irmãos concordaram que ela estaria mais segura escondida dentro de casa. A criança cresceu acostumada a ser servida : quase não se movimentava, como uma imagem de gesso, estática e bela, pronta para receber a admiração, os cuidados e os mimos da família. Mas, como ser humano que era, não poderia ser perfeita. Seu único defeito era a preguiça, que cresceu com ela e nela se instalou.
Certo dia ouviu falar do jardim real e desejou ardentemente conhecê-lo. Mas não queria simplesmente tomar a estrada que conduzia ao palácio como todos faziam. Queria que o jardim viesse até ela. Pediu que os irmãos lhe trouxessem uma rosa, a mais bela do jardim, para ser plantada em sua própria casa. E eles, sem saber dizer não, o fizeram.
Na calada da noite, roubaram uma rosa com raiz e tudo. Nos aposentos reais, a esposa do rei subitamente acordou. Levou a mão ao peito e sentencio ao marido:
- Arrancaram parte de mim. Eu quero que encontrem o responsável.
Imediatamente, o rei convocou seus guardas. Eles logo prenderam os rapazes, que ainda nem haviam chegado em casa. Perante a austera rainha, confessaram o motivo do crime. Irritada, ela ordenou que lhe apresentassem na mesma hora o pivô da confusão.
Montada em um velho cavalo e acompanhada dos envergonhados pais, a menina adentrou o palácio sem aparentar remorso. A rainha espantou-se com sua beleza e juventude, e sua raiva foi despertada pelo pensamento de que, muito em breve, a fama de seu jardim seria superada pela fama da beleza da garota. Os pais, preocupados com a atitude da filha, explicaram que haviam escondido a criança desde o seu nascimento com medo de ladrões e malfeitores, e contaram como, a partir disso, ela havia se acostumado a receber tudo sem fazer nada.
- Desça do cavalo! -ordenou a rainha. -Será castigada pelo roubo que levou seus irmãos a cometer, cabendo-lhe, de agora em diante, a tarefa de cuidar de meu jardim. Proíbo qualquer um de lhe servir ou de lhe ajudar. Fará tudo por si mesma. Além disso, cada vez que descansar mais do que o necessário, sentirá nos pés, ao caminhar, os espinhos da roseira que destruiu. O mesmo ocorrerá a qualquer um que agir com a mesma preguiça. A dor os obrigará ao movimento, que trará alívio.
E assim tem sido através dos anos. Sempre que esquecemos algum dos nossos membros muito tempo na mesma posição, por distração ou preguiça de movê-los, também nós sentimos o pinicar dos espinhos.
Comentários